Os cavalos arreados do Alf

No começo da década de 50, Johnny Alf era o novo no circuito carioca. Suas harmonias, que transitavam entre o jazz e os impressionistas, pareciam um bálsamo para os jovens músicos que queriam escapar dos sambas-canção e bolerões que dominavam o mercado (como eu nunca fui músico, nunca tive a menor necessidade de fazer isso: o brega, ou qualquer outro apodo que vocês queiram pespegar em gêneros populares, continuam sendo extremamente agradáveis às minhas oiças).

Aí passou o primeiro cavalo: a bossa nova iria se firmar como o novo no mercado carioca e, portanto, brasileiro. Johnny Alf assinou contrato pra tocar em boates chiques em São Paulo, o “túmulo da samba”, nas palavras de Vinicius de Moraes, reclamando exatamente de uma troupe de amigos chiques paulistas que estavam fazendo chacrinha numa apresentação do seu velho amigo.

O segundo cavalo trotou na sua frente quando a bossa nova já estava se estabelecendo no mercado americano. Preparou-se sua ida para lá, diversos músicos apoiando a viagem, um disco foi gravado com o Johnny cantando músicas dele e de outros, tudo em inglês, ele tocando aquele piano maravilhoso, tudo certinho. Aí o cabra resolve consultar sua mãe de santo sobre a mudança. A vetusta senhora vetou e o Johnny obedeceu.

Quem o conheceu nas duas últimas décadas, aqui em Sampa, gostaria de imaginar um outro desfecho. Sem dinheiro, sem trabalho, foi um final de vida triste, dolorido. Dava dó saber que centenas de partituras na sua casinha da Mooca estavam se desfazendo por falta de meios para conservá-las. Em meados dos anos 90, fomos vê-lo num boteco em Pinheiros, o Bar da Virada, sede informal do PSDB paulista. Fez seu show solo, só voz e piano, naquela zoeira habitual de gente que vai em bar pra zoar. Encerrado o primeiro set, ele se aproximou da mesinha onde estávamos minha mulher eu, e conversamos por mais de hora. Ele firme no guaraná, a gente caneando o de hábito. A sua timidez se desvaneceu quase instantaneamente – música era seu reinado. Nos revelou uma ópera que ele estava compondo e declarou sua paixão pelo gênero, contou histórias do balacobaco sobre Debussy e Chopin, seus dois ídolos, falamos até que pouco sobre música brasileira. Ao final, aceitou comer uma baião de dois lá em casa, na companhia de seus velhos amigos Laercio de Freitas e Piki. Aí, foi a nossa timidez que nos impediu de levar a história à frente.

Do disco para o mercado americano, nunca se soube. Ficou encostado em alguma prateleira, pegando poeira e sol, até que um desses bichos tinhosos – também conhecidos como colecionadores – pôs a mão nas masters.

Vejam aí o que poderia ter sido.